segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Nos tempos do infinito.

Então é a maravilha que me cega. Encontro-me aveludada, meu espírito em um estado de leveza incomparável. Meus olhos que brilham e celebram a loucura e o devaneio em que vivo. Maravilhas. Nem sempre as maravilhas que supomos, mas não deixam de ser maravilhas. Até mesmo o rancor é uma maravilha do coração humano.
E tudo é uma eterna lição. Cada movimento, leve ou brusco, cada passo dado em vão ou estranhamente planejado. Digo estranhamente, pois nosso raciocínio trilha de maneira peculiar e única, indiscutivelmente diferente e surpreendente.
Estes tempos cobertos de neon, tão ofuscantes e vivos, trazem-me o prazer da vida toda. A pausa da rotina, mas a pausa longa, que dá mais motivos para outra rotina. O que difere ambas é sempre nós mesmos, nossa visão sobre elas. A rotina que acomoda, incomoda. Incomoda porque não inova, porque não distrai, porque não desfaz. A rotina que obriga provoca o asco pelo dever ser, dever ter, dever fazer. Pelo simples fato de estar lá, batendo ponto, configurando mais um dia totalmente desfigurado.
Mas a felicidade... A felicidade é a magia que desperta em nossas mãos no exato momento que a desejamos. Ela brota, como pó de pirlimpimpim nas mãos dos contistas, mas a palma é nossa, é bossa que nos faz dormir e nos embala em um ritmo viciante e coerentemente singelo. É a miraculosidade das coisas estáticas.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Sobre as bonecas e os castelos.

Olho pro lado, olho pra frente, mas meus olhos gostam mesmo é de olhar  para o que foi ultrapassado, o que está vencido, as ameaças distantes. O passado é, então, o meu foco em muitos momentos. E no quesito nostalgia, suga minhas córneas até a secura. Vou e volto, mas a infância continua lá, aliás, continua aqui. Livrar-me das bonecas e dos legos, das brincadeiras no meio da rua, é a missão de todos os dias. Mas o que me mata a cada segundo é a lucidez de que o júbilo não ficara preso ao balanço que pende vazio, nem aos castelinhos de areia, mas na maneira que fora feito. Com mãos de expectativa, uma espera graciosa e delicada. Embora saiba que o que me constitui e me sustenta é o que sempre vai ficar, inevitavelmente. Hoje, os bonecos que brincam comigo não sabem as regras do jogo, a graça da brincadeira. Muitos dos bonecos quebram o coração de suas donas, e já nem se pode dizer dona, que se está sendo possessiva. As bonecas desprezam outras bonecas, falam e falam de suas roupas indecentes, mas furtam-nas na calada da noite. E eu fico mesta, porque já não posso mais cuidar do que um dia foi minha alegria. Minhas bonecas de plástico, brutas e inanimadas. Às vezes eu queria que fosse assim, a infância à longo prazo. Mas ela passa, ela corre. O que sempre me resta são os passos largos e lentos de uma vida cada vez mais morna, cada vez mais morta. O destino inevitável de cada um e de todos, o acaso mais planejado que a vida encontra e impõe.
Insisto em sentir o gosto pueril de meus sonhos. Fascina-me. Estas quimeras são a fuga mais próxima e mais sublime que encontro para escapar do turbilhão. A inocência que releva os males, o horizonte que embeleza a paisagem, todas as coisas que hão de vir, mas que se veem tão longe, e tão mais bonitas do que seu semblante realmente o é. Dói-me no peito que tudo se vá tão depressa, varrendo o que foi tão gracejado, tão amável e doce. Dilacera-me saber que a benignidade dos tempos é tão curta que nela já nem se pode trilhar.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Stumbling on myself.

O descontentamento é meu par, porque sempre que eu quero, não sou. Mesmo que lute, mesmo que lacre os ouvidos, lá está a tristeza do não-convencimento. Se o mundo pudesse me ouvir, saberia que nem sempre as coisas estão tão seguras. Esta felicidade de encontrar os iguais é tão controvérsia junto à vontade de ser diferente!
Gosto de lembrar-me de quando encontro a mesma frequência cerebral, quando os momentos são multiplicados. Acho de uma beleza ímpar. Bem como me descontenta a individualidade em casos pequenos e frequentes. Não é que eu queira que o mundo seja como sou eu, não por isso. Mas porque não me entusiasma a idéia da diferença em coisas tão minúsculas e, aparentemente, insignificantes. Aparentemente, porque é na solidão que estas se destacam aos meus olhos. E eu que vivo tropeçando em mim mesma, eu minhas vontades e delírios, em minhas conversas sem platéia, em mim e nada mais. O caminho que eu sigo é único e vazio, vou preenchendo-o e deixando que a falta de espaço fique para trás, pois ainda tenho muita bagagem pra soltar nesta vida. Novos pontos de chegada, mas sempre sozinha. Rodeada do mundo, presa aos meus pensamentos egoístas. E com razão, afinal é esse meu único destino, já que é somente o que meus olhos alcançam. Estando em momentos tão sóbrios, vem a utopia e me fascina. Lá vou eu ensaiar a peça que nunca será vista.
Mas nem quero, e é assim que me embaraço. Perdendo o passo, vou até a distância que o laço alcançar.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Das arquiteturas que nunca mudam.

Pois sim, paro e vejo. Olho novamente. Está tudo lá. Ainda está tudo lá. Tudo no lugar. Não mexeram nos azulejos, não mudaram nada. Quem sabe uma camada a mais de tinta nas paredes, uma árvore podada. Nada que mude sua essência. Que mania essa de manter intacto o que está nitidamente mudado... Ou só para mim. Ou só para todos os que não lembram mais dos detalhes que tanto os encantou naquela arquitetura. E os meus olhos de outrora, fixam-se onde nesta hora? Pois sinto que por aqui estão congelados, mas já não os posso tocar.
As mudanças. As explosões que acontecem dentro da gente, e apenas na gente. Porque nós mesmos somos a destruição por inteiro. Se não sentirmos o vazio, o abismo em nossos pés, não existe desastre. As coisas que queríamos que fossem outras coisas descontentam por que assim querermos. Os concretos continuam tão concretos e brutos quando antes, mas estes meus vislumbres, eles mudam toda a paisagem enfumaçada. A nostalgia, a saudade de tudo o que fora um grande abraço arquitetônico, e a chegada, a visita. A decepção. Sim, a decepção, que a magia está só nos sonhos. Nem os sentimos direito quando estão enlaçados em nossos dedos. Meus cinco sentidos, despertos e vivos, procuram em que ponto se esconde o encanto de minhas ansiedades. Mas o lugar é o mesmo, o chão é exatamente aquele que sempre me puxa para a realidade. E mais uns dias, mais apenas alguns segundos, e a comodidade. O glamour some, a visita é apenas mais uma presença. O cimento intacto, o mundo estacionado, e as minhas idéias que não cansam de girar, e já nem sabem onde parar.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Quantos cacos, vida de vidro.

Quantas vezes cortei meu dedo tentando colar peças de histórias que a vida quebrou...
Corto os dedos todas as vezes, mas os machucados não estão só nas mãos.
Doeu no peito o estilhaço da rachadura. Doeu, doeu sim. Dói sempre, eu sempre deixo doer.
Mazoquismo. Adoro sentir a dor, só para avivar o instinto (quase morto, em alguns momentos) de tentar aliviar a queimadura.
E o pior é quando a gente quer suavizar a queimadura com o próprio fogo, com o isqueiro. O isqueiro. As mentiras, os enganos, as ilusões. O isqueiro que está destinado às nossas mãos. Só acenda-o se for muito ignorante.
Tudo bem, sabemos que nem sempre a razão está conosco. Mas mantenha-se longe, longe do fogo. Da dor do fogo.
Já nos machucamos o suficiente com os cacos. E quantos cacos.
Diversas vezes os deixei, quebrados, cacos separados, distantes uns dos outros, uma distância dolorosa, e eles jogados no assoalho, na mesa, na casa, na sala. Deixei que o esquecimento empoierasse-os, que a rejeição empedernisse-os. Nada feito, o ângulo pontiagudo terrivelmente cortante continua impune, letal e amedrontador.
Mas eu sabia. A gente sabe que sempre vai se machucar revirando os cacos da nossa vida de vidro. E não reclame, se não quiser se cortar nem sofrer, fique no quarto mexendo nos teus presentes enlaçados com fita-mimosa e empacotados em plástico-bolha, esse daí não machuca. Agora, saiba que com eles não aprenderás um terço do que com os destroços do que um dia foi vivo.
Os machucados ensinam, a cicatriz do curativo lembra o que se sofreu, o que se aprendeu. O que se viveu.
É bom que os cacos sejam esquecidos por um tempo. Nosso peito pulsa vermelhidão a cada peça que a vida arremessa e arrebenta. Deixe que a sangria acalme, que a hemorragia seja estancada.
Remexa com os dedos curados, com as veias pulsantes e com a cabeça tranquila, sem movimentos aflitos e desordenados. Lá na frente você verá que os pedaços já foram muito mais afiados do que depois de tantas experiências, tantos band-aids e tantos remendos. E as mãos, com o couro grosso de tanta medicação, agarra sempre tudo, mais uma vez. Cada uma mais forte que a outra, fincando com prazer o que um dia se lamentou.
Aprende, um dia a gente aprende. Mas, e o coração?
Ah, ele guarda cada caco. São seus maiores troféus. É um relicário de lembranças, tanto as boas quanto as ruins. E lá estão os cacos, que mesmo tão cortantes, no coração se tornam apenas peças neutralizadas de histórias que sempre voltam, cada vez mais quebradas, e cada vez mais fracas, minúsculas e imperceptíveis. É a vida abortando os fracassos intimamente sutis.

Tristeza.

(Narrado em 1ª pessoa.)

Ora essa, então a fulana Felicidade distorceu tudo! Pois venho até aqui impôr meu merecido direito de resposta frente tantas calúnias desta outra. Saibam - e lembrem - pois, que sou muitas vezes a tua cura. Nos meus braços que encontras os erros e os ingredientes necessários para recomeçar, com suas respectivas medidas. Lembra-te também que com a mente atordoada - efeito dessa tal Felicidade - não acontece nada, ou o que acontece é bagunça, sim, esta daí ama uma bagunça. Sei que muitas noites te levei, muitas que querias estar em repouso, quando só o que fazias era banhar-te de mim. Que magoo, que te feri por diversas vezes. Mas tu mesmo reconheces que te fiz também crescer e amadurecer. Joguei verdades à tua frente, molestei tuas dores, mas os pais também o fazem, não é? Sou tua mãe também. Não me venha bancar o autógeno, que nenhum de vós sois. Dentre tantas, eu sou uma das tuas progenitoras. Acompanho-te vida afora, e os humanos citam-me com muita frequência, creio que têm um certo apego ao estilo drámático.
Sabes que é em mim que tu paras para pensar no abismo que é esta vida, é comigo que tu conversas sobre tuas lástimas. Teu coração se enche de mim. e vicia. Eu sei, vicia. Confesso que é difícil de eu sair assim, tão facilmente das veias mortais. Não é que eu seja sádica, não é isso. Mas a umidez das tuas lágrimas comovem-me  de tal forma que me enlaço a ti e quero que seja a última vez a te ver chorar. Porque diabos essas tuas dores não são limitadas? Cada vez tu morres mais, e mais um pedaço de Tristeza vai e fica, e eu estou sempre nas tuas lembranças que sei. Não me orgulho da escuridão em que te jogo, por isso não me deixe ficar por muito em teu peito. Arranca-me, que sou cruel. Mas já disse que não me elevo por isso. Tudo tem seu lado bom, igualmente o sou. Peço-te que me entendas, sou necessária, sou quase uma etapa de cada etapa da tua existência. A perda, o descontentamento, a mentira. A falta da Felicidade. Eu sou a ausência de um, mas sou a presença em mim. Acalma-te, deixa que a Tranquilidade finaliza este processo. Sabes que eu passo, que sou brisa gelada que queima a pele, mas que o sol um dia vem e te aquece. Perdoa-me, mas precisarei voltar. É tu quem pedes, mesmo sem chamar-me, pois teus atos automatizam a minha chegada. Mas já sabes que não duro pra sempre. Só não me rejeite. Preciso entrar, preciso tomar um café, mesmo que amargo, preciso ceiar da tua mágoa. Um dia tu entenderás, eu sei. Meu colo nunca será um berço morno para ti, mas que um dia tu virás sem reclamar, e já de pé, sem engatinhar e choramingar, isso eu garanto. Porque é um costume, vira hábito clamar-me. E nem na morte eu te deixo, pois se a tua dor é também a daqueles que amas, serei neles a chaga que tu não estarás sentindo. Serei a marca mais fiel de ti nos corações que tanto amavas, nos corações que não são teus. Eu sou a marca. Eu sou a estampa da vida em meu próprio aprendizado.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Ciclos.

Neste caminho, que a gente passa e repassa, e deixa as pegadas no chão e olha e lembra que já passou, aprendi que não adianta decorar onde estão as armadilhas. Elas revelam um prazer maquiavélico em esfregar na nossa cara que sempre vamos repetir erros inegavelmente humanos, incontestavelmente banais. Livrar-se das armadilhas é declarar guerra às que ainda estão por vir. Eis aí a graça de viver: adrenalina corrente farejando a queda, a alegria da alforria, o recomeço.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Sobre as coisas que não são nossas.

Coisas que não são nossas. O maldito querer de tudo o que não é nosso, o vício diabólico da posse de coisas que nunca foram possuídas. Pessoas que não são propriedades, e nós que nem somos nossos. Nem os sentimentos podem ter dono, afinal há sempre um referencial, até para estes. Sempre divididos, sempre pela metade, e mesmo assim gritando liberdade. Trabalhos, responsabilidades, deveres maiores que o mundo. E lá vamos nós, guardando tanta coisa, tanta vida, tanta energia para o quê? Para um futuro que nunca chega? Amigo meu, creio que já lembraste a essas alturas que nosso tempo é agora. A casa, o carro, o status. Nada é nosso. Nem as palavras que saem, nem os medos que temos. Nem as utopias, nem as feridas, porque elas ficam.  No leito de morte, elas ficam. Esquecemo-nos, dormimos, sonhamos, quem sabe. Ninguém sabe. Ninguém nunca saberá, nenhuma versão nos foi apresentado. Aliás, minto: são tantas teorias, tantos devaneios! Engana-te, olha pra frente! Vamos viver, seguir nossos sonhos. Faz parte dos olhos do ser humano ter o ângulo de sua visão além do permitido, além do recomendado. Lembremos, porém, que a consciência é o que guia nossos passos no escuro, sabendo muito bem que caminhamos em terreno nebuloso, e se a cobra nos enlaçar pelo tornozelo, a picada será inevitável, a dor inadiável, a morte intransferível. Mas a doença, a lamúria bate tantas vezes à nossa porta, que muitas vezes morremos de luz acesa. Morremos no auge da vontade, e nem sempre sabemos como emergir.
Não se pode ter tudo. Não se tem tudo, aliás, não se tem nada. Ou se tem nada. E mesmo o nada, o tão vazio nada, é em muitos momentos, o que melhor preenche, o que melhor explica. Decapitamos nossos sonhos, nossos anseios, nossas promessas são esquecidas, ou quebradas. Mas quem sabe, no meio desse nada, desse nada que é a única coisa que é nossa, encontremos enterrados os sonhos, os amores, as flores que perfumam tudo o que nunca foi tudo, mas nem por isso perdem o direito de sê-lo. E podemos recortar e colar em nosso mural o que já sabemos que não é meu, nem seu, mas o nada está vazio e pronto para ser recheado. A gente projeta tanto, vê tanto onde só há um fim tão próximo... Vamos brincar de sonhar?

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A utilidade das gavetas.

Todos temos nossos amores, pavores, fervores. Nossos sentimentos estão tão bem trancafiados em nosso coração que ninguém pode arrancá-los de lá se não nós mesmos. As gavetas da alma, resguardadas às sete chaves, guardam nossos segredos, medos, enganos e devaneios. Cada sorriso e cada lembrança está lá, continuamente presente nas gavetas de nossa memória, mas como fazemos com a matéria, assim devemos fazê-lo com o espiritual. Organizar as gavetas. Limpá-las, jogar fora o que está corrompido, as peças que não encontraram seus encaixes (isso se até o final da limpeza não os achares, pois não se pode correr o risco do desencontro das peças pela segunda vez), os pedaços de um coração antigo, as embalagens que só serviram de máscaras por tantos e tantos anos, as dores que ocupam gavetas inteiras e um espaço terrivelmente sombrio. Remexa nas gavetas. Procure, mas procure sem medo. Aliás, desafie-os. Muitos ficaram tão bem guardados que é difícil encontrá-los novamente, e há receio em ter de fechar os olhos na hora de encará-los, mas seja forte. Já encaraste outros medos, aqueles escondidos um dia terão de se revelar. Vá, tire-os do fundo da gaveta, limpe-o, está empoeirado e doente. Cure-o. Ensine-o a voar, a seguir sem olhar para trás. Fixe seus olhos nas traições, e pare de lastimar o tempo aparentemente perdido e veja os bens que a vida lhe trouxe. Pare de querer culpar o mundo pela guarnição das tuas dores afirmando calúnia. Engana-te quando pensas que foste traído, pois quem idealizou foste tu. Deixe algumas dores em cima da penteadeira, elas podem servir de espelhos para que possamos acertar nas próximas vezes, e para podermos ver o que fomos um dia. Mas há algumas mágoas que podem continuar guardadas nas gavetas, apenas organize-as, enfileire-as e entenda que não há como arrancá-las da sua vida, elas já criaram raízes no teu ser e não há força que as faça morrer, uma vez que são necessárias. Agora, finalmente, preencha suas gavetas. Coloque lembranças com cheiros de flores, mas não as deixe murchar, tampouco morrer de esquecimento. Arrume, perfume, dobre. Literalmente, dobre. Dobre as alegrias, dobre os amores, dobre até mesmo o tempo, mas saiba que dobrando as causas, dobram também as consequências. Limpe bem as gavetas antes de preenchê-las, deixe-as arejar, e que o vento leve consigo os resquícios da pessoa velha. Temos que nos refazer quase todo tempo, afinal. Reserve um lugar para as decepções, cedo ou tarde elas aparecerão, e lá vamos nós para mais uma limpeza. Há apenas uma coisa que não podemos esquecer: algumas gavetas são tão inconstantes que mal a fecharemos e já estarão totalmente bagunçadas. É o ser humano, é o coração do ser humano, completamente desnorteado e sem rumo. Essas gavetas são as mais divertidas. Por elas que ainda voltamos e pensamos que podemos fazer diferente e que, um dia, tudo será organizado e controlado, e assim mudaremos o mundo. Ou ao menos o nosso mundo. Agora, se as gavetas estão chaveadas, procuremos então a senha dentro de nós mesmos. Se você ainda não sabe, é melhor descobrir, antes que a bagunça esteja grande demais para que a porta consiga se abrir.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Descrição (?).

Sou tudo o que vi, tudo o que ouvi, tudo o que vivi, todos os que amei e odiei. Sou fragmentada- cada um compõe uma parte de meus atos. O mundo, as pessoas, as forças me fizeram assim. Cada um de nós é o mundo todo, eu sou meu mundo todo, que é feito do mundo todo de cada um. Eu sou uma teia de gente, de bichos, de coisas, de lugares. Eu sou uma grande contradição - porque nem sempre eu sei de que lado eu estou, ou sou. Vacilo entre sã e louca quase todo tempo. Passo por mudanças constantes. Às vezes sou o melhor de mim, sentindo-me insubstituível, a verdadeira fada. Mas de repente, sou meu lado nada, uma aberração da qual nem posso fugir, a verdadeira bruxa. Vejo-me certa e errada todos os dias. Sustento-me do que passa pela minha cabeça , do que me enlouquece, dessa virose que chamam de vida, esfregada nas minhas dúvidas, coagulando meu sangue e matando-me segundo por segundo. Sou um ponto de interrogação, aliás, será que sou? Por isso creio que o máximo que posso saber de mim é que sou um resultado inegável e incomum de minhas decisões, sendo elas acertos ou erros, mesmo que para mim os erros possam ser os acertos, essa receita sem medidas que conclui minha personalidade manente em estado, mas variante em espírito. Sou o desfecho de cada caminho que escolhi.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Borboletas.

Não é assim tão simples, garota. Você vai passar por momentos tristes, que na verdade, são apenas momentos,  momentos aos quais nossa força se ausenta, tornando-os sombrios. Você verá que o mundo gira rápido demais quando estamos tontas. Não encontrará todas as respostas, e entenderá que muitas perguntas são apenas tentações, que nem sempre possuem uma solução, mas muitas vezes é a alavanca que nos impulsiona a questionar. Aprenderá a não ir tão fundo nas coisas, nem sempre conseguirá não fazê-lo; verá que dói pensar na bondade quando estamos no assoalho. E que, em momentos felizes, não se deve pensar na maldade. Essa não dói, essa mata aos pedaços. Entenderá que tudo o que tem começo, tem fim, mas só entenderá isso depois do fim, porque o êxtase do momento vai te cegar e te embalar em um berço de ilusões que você achará lindo. Olhará para suas dores e irá rir muito alto, mesmo que intimamente, mas não saberá fazer o mesmo com as dores que estarão aí, e com as posteriores e posteriores. Enxergará que seu rumo é feito das coisas que você valoriza, e não do que realmente é importante, porque não existe um "realmente importante". O problema é que passamos a vida toda procurando um padrão para adequarmos nossa vida a ele, e não o contrário.
Aprenda, menina, que o tempo está correndo e te puxando pela mão. Ele não irá largá-la, tampouco diminuirá o passo. Mas você pode aprender a correr junto, e acompanhá-lo. Agora, se eu fosse você, não ficaria com a cabeça virada para trás olhando tudo passar até perder de vista. Quantos muros já encontraram tua face? Quantas vezes já tropeçaste por não estar olhando adiante? Olha pra frente, lá tem um lindo pôr-do-sol , terás mais tempo para avistar os pássaros, e as tuas chances estarão na tua frente. Os balões estarão lá, voando no céu, e posso lhe contar uma coisa? Com a cabeça reta e as mãos estendidas fica mais fácil de flutuar e alcançar as borboletas.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Felicidade.

(Narrado em 1a pessoa)

Mas que coisa vocês. Vivem clamando-me, gritando-me. Trabalho feito louca, mas poucos são os honorários reconhecidos. Começo de ano lá estão vocês, implorando por um lugar na lista dos contemplados. E eu aqui. Agora, diga-me, e quando tu foste na festa, com teus amigos, naquele sábado, lembras? Vais dizer-me agora que eu não havia trabalhado? Querido, faço eu horas extras neste mundo, mas nunca são suficientes. Esta maldita Tristeza que não me deixa terminar meu trabalho, sempre trancando a porta dos corações aflitos, justo na hora em que ia começar a festa. O salão vazio, a alma depenada, e eu cansada. Agora, digo-lhes que muito boa sou. Apareço quando chamares, mas chama-me, porque muito mais fácil é me encontrares do que te encontrar eu. Ver Felicidade nas coisas é tão simples quanto dormir e deixar que a Tranquilidade faça seu serviço em paz. Tento e tento, mas não é tão fácil como nos romances americanos. Creio que tenho uma certa afinidade com estúdios de gravação, e sempre que posso dou uma volta por lá. Mas até na ficção a Tristeza me persegue. E quando é ela que lhes segura a mão, então que me querem. Pois conto e conto o que sei, que é quando me ausento do compromisso que vós olhais o registro das horas trabalhadas, e então me vem o reconhecimento. Dizei ''Quão feliz era eu, ó dias nebulosos!'' Aos poucos, conforto vossos corações e acalmo tua boca, trêmula e fria de tanto ser sugada pelo Medo. Sou cores, sou flores, folias e sabores. Tudo que tenho é tudo o que sou, e parasito no ser humano criando então a festa que vive nas almas que me deixam trabalhar, e que pagam bem por isso. Por falar em pagamento, já vamos acertando tudo isso por aqui: pague-me em doses poucas e exageradas. Pague-me pulando, amando, abraçando e cantando, mas de coração limpo e pés no chão, cabeça nas alturas e sonhos leves, não necessariamente dentro de nuvenzinhas ou com cenários verdejantes, apenas bons. Bons o suficiente para que eu possa lhes concluir, afinal, modéstia a parte, Felicidade finaliza muito bem qualquer sonho.
A verdade é que estar aí o tempo todo não é como vocês pensam. Saibam, pois, que eu tenho orgulho de terminar meu trabalho com a melhor marca que eu poderia deixar, este sorriso no rosto, esse amor no coração, e a mente descansada, pois já se passou o tempo das lástimas. Vem que eu te levo até o arco-íris.

Sorria a cada dia, mas sorria por dentro, porque a felicidade, antes dos outros, tem que aparecer pra você.