quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O paralelo das leituras.


Corria um dia tranquilo, sem grandes avanços ou recuos, sem memórias tristes ou notícias de parentes adoentados. A tarde era calma; o ônibus, porém, trupicava no asfalto e seus passageiros em pé lamentavam em silêncio o pesar do corpo. Estava em pé uma menina; sentada estava a outra. Olhou-a a moça em pé e pensou consigo no amável banco que seria seu ao descer da outra menina. Trazia ela um livro na mão, e uma bolsa preta aparentemente pouco pesada transpassando o tronco. Sem onde pôr o livro, espremeu-o entre os dedos e o banco, que segurava com força a alça, procurando ali um tipo de equilíbrio que nem por dentro tinha.
Sentada ia a outra menina, percorrendo sua imaginação pelas páginas do livro que lia. Duas leitoras se viam, uma ao lado da outra; não se conheciam, porém. Quem sabe o que traziam em seus livros? Nem elas. Ainda estavam por descobrir.
O longo e cansativo trajeto chacoalhara o coração da moça que não tinha o repouso. Seu livro, coitado, emprestado da biblioteca, trazia na capa uma pinup. Ela amava pinups, e queria descobrir o enredo que acabara de adotar. A viagem, porém, parecia-lhe cada vez mais custosa, e o livro já apresentara seu primeiro mal: esmagava seus dedos com tal força que a moça sentia desde já dores em suas páginas, mesmo sem saber dos dramas impressos ali. Não entendia o motivo que teria a outra leitora a não oferecer colo ao seu amado livro.
O tempo transcorreu com a malícia do cansaço. O automóvel agora ia lotado e a moça que ia em pé dançava em um ritmo que não conhecia. Aconteceu então. A moça sentada, comovida pelo amor que unia o livro e a leitora, ofereceu pouso à narrativa, e também aos dedos moídos e dormentes que os possuíam. Em pé e menos exausta, a leitora agradeceu a bondade e a aceitou de bom grado. Cessou a dor. O livro voltou ao seu estado de graça e sua leitora, ao seu estado de contemplação. Ambicionava abrir-lhe as páginas e encaixar-se em cada palavra pr’ali transcrita. Agradecia a Deus por sua mão viva e pulsante, agora menos calejada, e demorou-se observando a leitura da moça gentil que a ajudara. Percebeu ser leitura boa, digna daquela pausa de seus olhos. Buscou ler algo, em vão: sua miopia dera as caras, restava-lhe a dúvida. Perscrutou e leu, porém, um trecho: “Rub”. Limitada por seus próprios conhecimentos, cogitou Rubem Alves. Esqueceu-se.
Andanças e andanças e então movimentos. A moça sentada, antes absorta em suas leituras, agora movia-se, readequava-se, como se preparando para despedir-se do lugar. Em pé, a curiosa observava o livro seu e o outro. Curou-se então; era Rubem Alves, ele próprio que esteve pousado nas mãos da moça prestativa toda a viagem. Leu o nome também, mas aí calou-se; deixou o nome pra si. A menina agitada no banco arrumava a bolsa e cuidava para não largar o livro da outra sujeita. Por fim, ergueu-se e com um olhar tímido e gentil devolveu à dona o livro. Esta outra se demonstrou em seu “Obrigada”, quase que num fiapo de voz. Desceu a outra, sentou-se a que permanecia. Sem pestanejar, abriu o impresso com a gana dos que não tem de comer. Faminta da história desconhecida, ignorava agora a paisagem que lhe distraíra todo o passeio.
Eis que parou consigo e pensou: “Entre vós, há de haver quem se intrigue com este banco. Talvez seja um mal dele; sentam-se e leem, uma vontade de interpretar repentina como por um choque que recebem. Curioso.”
As duas mulheres, os dois livros e um banco. Some-se a isso inúmeros personagens singulares e taciturnos, cansados da jornada e cheios de conflitos e enredos que, se transcritos pra papel, atordoariam o ônibus e sua tinta pintaria todos os bancos deste de cima a baixo. As leitoras desfrutam agora de suas histórias. Os espectadores coadjuvantes contemplavam a cena. Alguém a mais escreveu, e se lerá nas estrelas as linhas aqui transcritas.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Três músicas e a mesma história.

Fomos lavados pela chuva. As flores de setembro me lembram um cheiro triste, e eu sei que a inocência não permanece por muito tempo. Nós nunca vamos conhecer a história real e ainda assim nossa memória nos trairá. Era uma questão de tempo, talvez.

Isso poderia ser o final de tudo.
As coisas realmente necessárias são mais simples que o normal. Tenho andado no meio de um deserto que já posso considerar meu. Nem tudo funcionou como eu esperava até aqui. O tempo que passou tirou de mim a confiança em alguma coisa invisível. Nós sabemos que não é tão simples, mas nos empurre! Precisamos ir. É um lugar só nosso.

Seu coração costumava ser um verão eterno, mas me disseram que hoje tudo cessou. Chegou o inverno pra você? Receio que a luz que vivíamos nos cegou. Como é triste pensar que fomos enganados pelas estações. Fomos uma boa proteção.

Wake Me Up When September Ends - Green Day
Somewhere Only We Know - Keane
Wonderwall - Oasis