segunda-feira, 29 de abril de 2013

Oito ou oitenta.


De todo o coração, nem todo quase fim é argumento para um bom começo. Talvez as piores estórias comecem justamente desse jeito; com (res)sentimentos pela metade, quase crus ou quase cozidos. As marteladas finais do destino deveriam ser obrigatórias: quem dera fôssemos oito ou oitenta e parássemos de ser 17, 38, 62...
Não aceito a condição de ter só um pouquinho, sentir de faz de conta, viver só até onde não gerar riscos. A vida por si só já tem seu painel todo rabiscado, sem mínimas previsões. Os laços não podem ser tão frouxos que se desfaçam na força de um sopro – desse jeito, nenhuma estrutura resiste – e nem tão firmes que sufoquem – desse jeito, ninguém coexiste.
“Quase” talvez seja minha pior palavra. Tão pior que me lembra mais uma vez todas as coisas que quase puderam ser e não foram. Quase me perco nessa confusão, mas e se me perdesse de verdade? E se finalmente me achassem? Não sei por onde anda quem quase apareceu. Não sei o que ainda está fazendo aqui quem quase foi embora. Queria que aparece a oito metros quem vai me achar e desaparecesse por oitenta anos quem faz eu me perder.
Doce, não. Amarga ilusão. Esse lugar onde tudo poderia acontecer, essa utopia onde habito congelou meus pensamentos em sua ignorância, e a dor não tarda em chegar. Ainda encontro a marca de suas pegadas em volta de meu cativeiro semifeliz, utópico, mas de onde um dia teria que sair. A crueldade está de aviso há tempos nos vidros embaçados, nos anúncios em postes, nos classificados dos jornais. Meu lugar quase perfeito está se desmanchando outra vez... Estava indo bem sua construção. Esse coração-castelo-de-areia é realmente um "quase" imprevisível. Quem sabe aos oitenta as coisas melhorem... Ainda me perco na inocência dos oito.




sexta-feira, 19 de abril de 2013

Sobre caminhos da vida e uma tarde de sol.


Muitas vezes se pensa no fim. A vulnerabilidade tem sido nossa babá desde a infância, e é ela mesma que nos acompanha até os últimos dias. Os finais são reescritos, os rumos mudam, as estradas entortam e desentortam-se todo dia, readequando o rumo a cada novo comando.
Mas quem disse que se desentortar não dói? A tristeza e a saudade são produtos que o coração não dá nota de garantia. Quando penso nos fins que não conheci porque minhas escolhas me levaram a outro, sinto saudade. Uma espécie de nostalgia, uma vontade de viver o que nem conheci. Só não me pergunte sobre os caminhos que conheci, abandonei ou simplesmente acabaram; não faça essas linhas chorarem.
E então surge uma tarde ensolarada, colorida, natural e estonteante de tão meiga. Um ano a mais de vida, um ano a mais de histórias, um dia a mais de compromissos, mas, neste caso, um dia a mais de amor. Nos projetos de montes, sentada na grama, dei-me conta do amor que me cerca e do repertório que venho compondo. Como por um insight percebi a leveza da felicidade e contemplei em silêncio a divindade do amor. Amor puro, eu estava com saudades de você.
Quando as memórias voltam, vez ou outra, pego-me sorrindo sozinha. Perscruto os detalhes de cada semblante, e cada um ocupa um espaço tão grande dentro de mim que não sei como meu coração faz para que caibam todos. Mas sei que cabem. E sei que os amo. Amo tão intensamente e tão delicadamente que me perco no êxtase de estar com eles. E é exatamente aí que entendo que eu estou exatamente onde eu deveria estar: no meio de amores verdadeiros e puros, que a cada dia preenchem mais uma folha no meu caderno de histórias.
E aí, em algum dia de céu escuro, trovões e chuva forte, nossos rumos vão mudar e nossos caminhos vão se entortar para pólos opostos. Mas ainda bem que a gente sabe que um dia vai poder matar essa sede de carinho. Que vocês possam ler nossos dias mágicos para os meus e os seus filhos. Os ladrões que me perdoem, mas já somos só nossos. Não se rouba amor de quem só sabe ser isso.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Como se fosse um bom dia.


O dia estava turvo e cheio de aflições guardadas prontas pra saltar da gaveta. Para ela, estava perdido. Há tempos que cansara da rotina torta que levava. Olhou para si no espelho do quarto. Era o horário do almoço, e voltara do trabalho para almoçar com o esposo. E então virou-se para a porta, com o peito inflado de uma coragem apavorante.
Na sala de jantar, aproximou-se do esposo e iniciou suas desculpas. Pediu perdão pelos anos calados, mas não sentia um pingo de culpa. A situação, porém, tornar-se-ia pesada demais para não receber nenhuma anestesia, mesmo que sem a mínima vontade da oradora.
E então despencou nos tímpanos do esposo a dor, a raiva, as maledicências cometidas para desafogar o que estava sufocado a tanto tempo, as vezes em que o odiara – e confessou para si mesma que o ódio era onipresente em cada palavra daquele discurso – e admitiu a raiva de unir sua vida à covardia daquele homem. Exclamou, brandou, argumentou e seu corpo acompanhava o ritmo frenético de seu desespero. Deixou-se explodir. Era um amontoado nuclear poderoso e, naquela hora, fatal. O obituário do casamento estava feito: aqui jaz a felicidade de um homem que amava só.
E então, boba e desajeitada, ajeitando a camisa, agora toda amarrotada, ela levantou do chão onde estava ajoelhada aos pés de seu quase amor e, sorrindo meio sem graça, lembrou a data com a voz mais pueril que conseguia. O marido, atônito, olhou pro calendário e lembrou o mês que iniciava. Num ímpeto de agonia, abraçou a esposa e chorou. Implorou a ela e a Deus que nunca lhe fosse dado tal fardo. A última frase – “Não deixe eu me perder de você” – foi pronunciada entre soluços e aconchegada em um abraço quente. Ela, com o queixo apoiado no ombro dele, ainda entregue ao abraço, sorria, mas estava distante. Começara bem o dia: seu primeiro de abril foi marcado por verdades. “Clichês nem sempre devem ser quebrados”, pensou ela.