O dia estava turvo e cheio de
aflições guardadas prontas pra saltar da gaveta. Para ela, estava perdido. Há
tempos que cansara da rotina torta que levava. Olhou para si no espelho do
quarto. Era o horário do almoço, e voltara do trabalho para almoçar com o
esposo. E então virou-se para a porta, com o peito inflado de uma coragem
apavorante.
Na sala de jantar, aproximou-se
do esposo e iniciou suas desculpas. Pediu perdão pelos anos calados, mas não
sentia um pingo de culpa. A situação, porém, tornar-se-ia pesada demais para
não receber nenhuma anestesia, mesmo que sem a mínima vontade da oradora.
E então despencou nos tímpanos do
esposo a dor, a raiva, as maledicências cometidas para desafogar o que estava
sufocado a tanto tempo, as vezes em que o odiara – e confessou para si mesma
que o ódio era onipresente em cada palavra daquele discurso – e admitiu a raiva
de unir sua vida à covardia daquele homem. Exclamou, brandou, argumentou e seu
corpo acompanhava o ritmo frenético de seu desespero. Deixou-se explodir. Era
um amontoado nuclear poderoso e, naquela hora, fatal. O obituário do casamento
estava feito: aqui jaz a felicidade de um homem que amava só.
E então, boba e desajeitada,
ajeitando a camisa, agora toda amarrotada, ela levantou do chão onde estava
ajoelhada aos pés de seu quase amor e, sorrindo meio sem graça, lembrou a data
com a voz mais pueril que conseguia. O marido, atônito, olhou pro calendário e
lembrou o mês que iniciava. Num ímpeto de agonia, abraçou a esposa e chorou.
Implorou a ela e a Deus que nunca lhe fosse dado tal fardo. A última frase – “Não
deixe eu me perder de você” – foi pronunciada entre soluços e aconchegada em um
abraço quente. Ela, com o queixo apoiado no ombro dele, ainda entregue ao abraço,
sorria, mas estava distante. Começara bem o dia: seu primeiro de abril foi
marcado por verdades. “Clichês nem sempre devem ser quebrados”, pensou ela.
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