segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O jardim (re)abre seus portões.

É apenas mais uma estrada, o porém dela são suas curvas. A velocidade é sempre a mesma, porque o impulso raramente muda. A vitalidade está mais nas fantasias do que na caminhada; está mais na descrição do que na tão prezada prática. É mítico, simbólico, pertinente e contínuo o fervor deste lugar. Parece tão florido o jardim que já nem me atrevo a espiar, para que o hábito não se assente no lugar da verdade. Por vezes, suas flores artificiais enganam até aos mais sagazes, a saber de sua astúcia. O vício é a jaula que vive em cada um e em todos, porque é fixo e nada questionável. Mas é fato: se não queremos, não acordamos. Deixamos que o tempo escorra pelas lacunas de nossas almas dormentes.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Envenenados.

Chegara. Ela voltou com seu blazer mal abotoado, está com a expressão amassada. Não com o rosto, mas com o olhar desestruturado, um típico redemoinho de máculas nas janelas do seu ser. As lágrimas escorrem secas, os lábios estão opacos e jogados ao azar. A bagunça dos cabelos não reflete nem um pouco da desordem de seu rumo. As mãos agora movimentam-se lenta e dolorosamnte, já sabem que são movimentos inúteis. O orgulho soltara os braços dela. Mas já anoitecera, e a voz do indesejado soa cada vez mais alto no ouvidos. O dia grita, ameaça e morde os pedaços sãos da caminhada derrotada da moça desiludida.
Ele partiu. Ele foi. Poderia ter sido, estado, ficado, permanecido, continuado. Seria a sua eterna ligação. Mas os seus momentos transitórios não deixam que haja mais que sua essência. E ela chora. Mas não era só, porque lhe abraçava a solidão, e suas mãos não eram vazias, uma vez que a aliança ainda as sujava. Ela disse querer o fim, mas ela queria a mesma coisa, mas nova, quem sabe matemática. Coisa feita, sabe? Daquelas que a gente resolve e coça o antebraço, porque acabou e será.
Sabia que era assim. Agora corre para a estação e cria metáforas nas cenas que vê. Disse que a vida dela é o trem, cheio de vagões, e que as janelas são o máximo que pôde ver por fora, e só entrando para entender e prosseguir. Mas uma hora a saída chega. A vicissitude da vida leva a descobrirmos outro vagão, igualmente incompreensível, singular e turvo.
Ela quis parar o trem, mas ela sabe, ela sempre soube que não podia. Agora perdeu a vontade, não sente mais o gosto do morango que enfeita o bolo da padaria, mas que não adoça o suficiente para torná-lo bom.
Nada mais tem gosto. A fragrância magoada conta que ela nunca mais voltará a sentir. Já sabe que é veneno que mata o coração, mas deixa impune o corpo. Já sabe que é veneno que matou o coração, mas deixou impune o corpo.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Decisões e desavenças.

Cada escolha é um passo que aproxima o caminho escolhido e distancia o oposto. Oposto, sim, porque sempre temos que decidir entre vários "quases", e os prós de um, na maioria das vezes, são os contra do outro. Dói deixar pra trás o que podia ser a resposta da equação, mas as miopias da vida são fatos que nos levam a escolhas nem sempre coerentes. O irretorquível por vezes magoa, mas a eterna lição não é ignorar o que não foi de acordo, mas sim aprender a conviver sem deixar-se abalar pelo que não se é. Deixe que o tempo lave a dor, que a brisa leve o desapontamento. Ego e realidade são inimigos disfarçados, até nos mais pessimistas.
Mas as guerras, na verdade, começam dentro do escuro e de modo silencioso. Quando enfim chega a luz, o espírito bélico é surdo e cego, e nem quer recuar. Optar é a solução definitiva para o gran finale, que nunca existe.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Prisão perpétua.

Não é tão simples quanto eu pensava. Andar algemada ao meu próprio vício é a tortura mais fiel que já presenciei. Imergir em meus anseios é como provar da droga mais uma vez. Não sei ao certo se posso nomeá-lo droga sendo um sonho que almejo desde muito. Será mesmo que todas as minhas fantasias são só ilusões? Por quanto tempo minhas projeções são apenas utopias? Caminho por entre minhas esperanças todos os dias, e por mais tangíveis que elas pareçam estar, é só o que me permito ver. A obliquidade do futuro é algo que me inquieta. O horizonte me soa tão inconvenitente, tão embaraçoso! Detesto imaginar que poderei não vê-lo na próxima manhã. É pavoroso - realmente tremo por dentro - pensar que é tudo tão taxativo, tão limitado.
Tenho fobia a sonhos fracassados, a falta de amor e a barulhos no meio da noite. É triste quando penso em toda a perfeição que é o ser humano, no quão saudável nasci, e em como a vida é instável.
Os últimos dias de livros, músicas e reflexões me fizeram admirar qualquer detalhe. Sorri, sonhei, chorei, alimentei, agradeci, pouco pedi, já tenho demais. Temo perder a jogada, e tudo o que nela implica. Não é pela humilhação da derrota, mas pelo que ela leva consigo, pelo que arrasta e nem me deixa provar.
Descobri que coragem é algo que meus notáveis heróis tiveram desde o nascimento. Mas descubro todos os dias que superação é minha palavra preferida. É que, na verdade, comecei a ver o que sempre temi: estou destinada a mim mesma, e não há limite pior que o tempo presente, pois ele nega toda a possibilidade, porque ele é, e não será. É agora, ou nunca mais.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Delírios no pátio de casa.

Vi pessoas sendo resgatadas. Vi bebês sendo atacados por monstros. Vi uma arca. Todos os personagens feitos de nuvens, todos de algodão, pareciam tão reais que quase contracenaram comigo e com os pássaros que voavam por ali. Havia escuridão. Sim, até nos céus há a escuridão: a escuridão que anuncia as tempestades, a escuridão da noite...
Quase chorei. Emocionei-me ao ver os pássaros. Estava sozinha, ouvindo "Canção pra você viver mais", fiquei imóvel frente aos desenhos que as nuvens traçavam no céu. Olhava, sentia e sorria. E percebi as lágrimas vindo incontidamente, e vi as aves livres, e meu coração transbordou. Gostei de ver as fotografias no céu, mas era o aviso que as chuvas mandavam, e logo as imagens se desfaziam. E não é assim? Nossa vida de açúcar se faz e se desmancha todo tempo. Resta-nos pôr o castelo nas alturas cada vez que desmoronam.
Mas hoje, as imagens estampadas no azul infinito foram a minha vitamina, mesmo que já no fim da tarde. O vento que soprava me fez leve, quase breve, mas não fora lacônico o suficiente para que eu não sentisse minhas veias extasiadas de emoção e de admiração. Quanto tempo demora o espetáculo? Para cada um dura o tempo que for necessário para que se o saiba apreciar verdadeiramente. Quero eu apreciar cada detalhe e cada grão de bem e de mal! Quero eu nunca mais sair desse palco, por mais amplo que me esteja prometido o céu; por mais infinito que pareça o que eu não conheço.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Raiva.

(Narrado em 1ª pessoa).

Engraçado, sempre pensei que eu dependesse de vocês. Mas atualmente, acho que vocês dependem de mim mais que eu mesma, afinal, eu sou uma justificativa para tudo. Uma reação cabível, não é? Justifico as loucuras e insanidades da forma mais coerente possível. Aliás, dentre todos os sentimentos, eu sou aquele que mais convém, ao meu ver. Mas é claro, sempre pensarei isto mesmo, já que sou a mais ousada sempre. Não que vocês devam saber isso de mim, até porque não lhes devo satisfação alguma, simplesmente broto.
Lábios feridos, tal é a força da mordida; hematomas nos braços, socos na parede, cabeçadas na parede, rabiscos na parede... As construções, pobres coitadas, sofrem mais que teu corpo cada vez que te enraivas. Vais dizer que não pareço um demônio? Nem te recordas do que falas em teus momentos de alucinação, de tão impetuosas que são minhas aparições. Falas o que não deves, destrói tudo ao teu redor. Louca. Eu sou louca. E sei disso, mas quem disse que eu quero tratamento? Minha medicação é a brecha que os humanos me dão para penetrar em seu íntimo.
É, prestem mais atenção, porque eu domo. Mas sou breve. A queridinha Tranquilidade adora vir me atrapalhar sempre. Estou quase lá, estás quase dopado de Raiva, e vem ela, dizendo estar abismada com minha malevolência. Fica atônita, olhando-me de cima a baixo, e nessas horas sinto-me exatamente como uma galinha de vitrine. Não estou preocupada com os estragos que vou causar a vocês, não preciso pensar nisso. Tenho é que cumprir minha tarefa, essa é a minha natureza. E não ouso desafiá-la. Quem sabe porque eu goste do sabor da vitória e de vê-los tão pecaminosamente. Apropriar-me de teu coração anestesiado, inserir palavras na tua boca, arrebentar a garganta... Os gritos. Amo os gritos. Acho até que posso compará-los a uma bateria para mim. Como me fascinam!

Não te preocupes, no dia em que me vires, não é sinal de anomalia alguma. Sou parte da tua evolução, e apareço várias vezes na tua trilha. Afirmo que ninguém que nunca perdeu o controle sabe o que é viver. É indispensável sair da linha, desaforar, perder o domínio de si em alguns momentos. O coração se contrai em cólera e grita, mas ninguém pode ouvir. E então, te vês obrigado a ouvir a ti mesmo, e é nesse momento que aprendes a calar-te aos poucos. Sei que quando vou embora, tudo fica mais claro, tuas veias, antes salientes, agora estão calmas, e a mente, mesmo que nunca tenha sido inteligível, está mais amena, não é verdade? Mas não deixo rastros de imunidade nunca. Cuide seus passos, qualquer dia eu volto pra dar mais uma caminhada com você.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A velha, a floresta e umas camuflagens.

Uma cadeira velha pende vazia no chão fértil. Acabo de vê-la. Está saindo, está vindo. Pronto, o vazio da cadeira está prenchido. A velha, magra e lívida, observa atentamente à tudo. É astuta, voraz como um xerife vindo diretamente dos faroestes, só lhe falta a estrela. Ó, não, havia me esquecido! Quantas estrelas a senhora traz pendurada ao casaco roto? São broches antigos, enferrujandos, mas demonstram, em algum momento, sua majestade. Para aquela velha de olheiras profundas seu significado deve ser maior que para mim, que apenas a observo por entre as folhagens... A floresta. O refúgio da mulher. Sentada em seu pedestal com o acolchoado rasgado, o castelo de madeira carcomida que forma a paisagem por detrás de seus ombros rígidos. E seus cabelos... São eles nuvens assustadas cujo medo de tocarem-se os extremos é tanto que formam coodernadas malucas, eixos completamente inusitados. Poderia comparar sua cor ao algodão, mas são mais que alvos,  porque são finos, quase transparecem o verdume da floresta quando a velha se levanta. A arma ainda está agarrada ao seu colo. Ela ainda está sentada. Mas não há de ser por muito tempo, pois seus olhos já avistaram uma presa. Lá vai a velha mirar e acertar o alvo, e lá se vai outro animalzinho agonizar na tão vasta floresta. Esta mulher, creio que foi muito machucada quando mais moça. Se bem que a sua velhice é mais aguda em seus olhos, o que faz parecer que já nasceu idosa. Quem sabe seja só a camuflagem... A vizinhança, pouca e amedrontada, resguarda-se e mantém distância do amontoado de ossos vagante. É que a velha é nevoenta, poucos são os dias em que faz tempo bom em seu humor, e penso eu que nunca alguém presenciou tal feito. Mas isso não impede que o mesmo tenha ocorrido. O fato é que ela assusta, parte por sua ossatura saliente nos tornozelos, joelhos, cotovelos e nas mãos, cúmplices das atrocidades da aberração; parte pelo medo que exala. E ele não está concentrado em suas armas, em suas camuflagens. O pavor que sentem todos da velha vem de seu jeito de olhar, pra tudo. Os olhos esbugalhados, marcados da idade e das noites que passa em claro, lendo livros com a capa manchada de café, um olhar pesaroso, negro e fundo. Não sei ao certo se é medo de sabermos que a velha pode ler a nós mesmos, ler o que nem sabemos ainda, uma vez que o olhar dela intimida, não que seja telepata, a senhora está longe de qualquer sexto sentido, nem sabemos se ela tem os cinco; ou se é medo de ver o que é feio, conhecer um pouco da vida dessa estranha que, aparentemente, gosta de sua estranheza.
Esquálida, nem mais sorri. É uma carranca que traz à frente de si. É um espectro tão horrível! Ninguém mais ousa entender a existência daquela criatura. Não se sabe ao certo onde nasceu. se foi casada, se é nativa, mesmo que lá os nativos sejam bronzeados, e a mulher é papel branco amassado. Gostei de minha comparação. Papel branco amassado. Seca como papel, branca como cal, enrugada como se tivesse sido toda amassada. Vive sozinha, e fica. Nem os animais escapam de sua solidão. Ela precisa do vazio. Ela gosta. Ninguém sabe o porquê. Os moradores dali a chamam Velha Woodfor. Dizem que ela merece apodrecer como a madeira que (ainda) segura sua casa, por tanta amargura que trouxe ao lugar. Mas algum motivo deve haver para essa velha. Ninguém morre aos poucos porque quer. Quem sabe seja só a camuflagem...