segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Quantos cacos, vida de vidro.

Quantas vezes cortei meu dedo tentando colar peças de histórias que a vida quebrou...
Corto os dedos todas as vezes, mas os machucados não estão só nas mãos.
Doeu no peito o estilhaço da rachadura. Doeu, doeu sim. Dói sempre, eu sempre deixo doer.
Mazoquismo. Adoro sentir a dor, só para avivar o instinto (quase morto, em alguns momentos) de tentar aliviar a queimadura.
E o pior é quando a gente quer suavizar a queimadura com o próprio fogo, com o isqueiro. O isqueiro. As mentiras, os enganos, as ilusões. O isqueiro que está destinado às nossas mãos. Só acenda-o se for muito ignorante.
Tudo bem, sabemos que nem sempre a razão está conosco. Mas mantenha-se longe, longe do fogo. Da dor do fogo.
Já nos machucamos o suficiente com os cacos. E quantos cacos.
Diversas vezes os deixei, quebrados, cacos separados, distantes uns dos outros, uma distância dolorosa, e eles jogados no assoalho, na mesa, na casa, na sala. Deixei que o esquecimento empoierasse-os, que a rejeição empedernisse-os. Nada feito, o ângulo pontiagudo terrivelmente cortante continua impune, letal e amedrontador.
Mas eu sabia. A gente sabe que sempre vai se machucar revirando os cacos da nossa vida de vidro. E não reclame, se não quiser se cortar nem sofrer, fique no quarto mexendo nos teus presentes enlaçados com fita-mimosa e empacotados em plástico-bolha, esse daí não machuca. Agora, saiba que com eles não aprenderás um terço do que com os destroços do que um dia foi vivo.
Os machucados ensinam, a cicatriz do curativo lembra o que se sofreu, o que se aprendeu. O que se viveu.
É bom que os cacos sejam esquecidos por um tempo. Nosso peito pulsa vermelhidão a cada peça que a vida arremessa e arrebenta. Deixe que a sangria acalme, que a hemorragia seja estancada.
Remexa com os dedos curados, com as veias pulsantes e com a cabeça tranquila, sem movimentos aflitos e desordenados. Lá na frente você verá que os pedaços já foram muito mais afiados do que depois de tantas experiências, tantos band-aids e tantos remendos. E as mãos, com o couro grosso de tanta medicação, agarra sempre tudo, mais uma vez. Cada uma mais forte que a outra, fincando com prazer o que um dia se lamentou.
Aprende, um dia a gente aprende. Mas, e o coração?
Ah, ele guarda cada caco. São seus maiores troféus. É um relicário de lembranças, tanto as boas quanto as ruins. E lá estão os cacos, que mesmo tão cortantes, no coração se tornam apenas peças neutralizadas de histórias que sempre voltam, cada vez mais quebradas, e cada vez mais fracas, minúsculas e imperceptíveis. É a vida abortando os fracassos intimamente sutis.

2 comentários:

  1. Lindo Amiga, mas muuuito dow! Viva mais Feliz *.*

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  2. Não é que seja "o" momento. Mas é algo que uma hora acontece, é inevitável cortar-se. ;)

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