quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Capítulo[s] de um livro esquecido.

Capítulo ? - Miguel e Sarah

É impossível esconder alguma - e qualquer - coisa de Miguel. Ele ainda era meu alvo favorito em desafios, mas ele sempre me vencia - isso digo: nunca tente esconder coisa alguma do rastreador da menina dos olhos. Miguel provavelmente seria o primeiro a entender minha quietude, e quando percebesse logo saberia o porquê dela. Mas afinal, quem deixaria escapar? A traição de Estevão era nítida, não precisara, nunca mais mencioná-la, nem para mim mesma. E já nem queria. Mas a proteção do meu anjo Miguel deixava-me fascinada. Lembrara-me do tempo em que Miguel, Sarah e eu comíamos tanta pipoca que nossas roupas fugiam das panelas e do óleo de cozinha. Nessa hora, senti-me petrificada pelo sublime aroma da pré-adolescência.
Mas a mocidade nos atingiu em cheio, e vieram os bailes e os amores, e as noites de verão intermináveis, e as histórias dos desvios da puberdade. O sorriso de Sarah quando Miguel convidou-lhe para o baile da sexta-feira ficou estampado em sua face por longos cinco períodos de matemática. É claro que a Sra. Tânia havia notado a felicidade explicavelmente desapropriada - Sarah fez questão de deixar claro à professora seu extremo horror à trigonometria.
- Sarah, você me parece tão radiante. Está gostando da matéria?
Seus lábios se contorceram, formando uma careta, facilmente interpretada como dúvida. Sarah levantou os olhos das coxas - onde estava apoiado o convite para o baile - e encarou Sra. Tânia com curiosidade.
- Professora Tânia, não quero desapontá-la, mas já lhe disse o que penso de suas aulas, não?
Outono passado, Sarah invadiu a sala dos professores e resolveu alguns problemas escolares. Ainda assim, acredito que eles só aumentaram de lá pra cá.
- Sim, Sarah, já me disse. Ainda espero que essa situação mude. 
Sarah encarou-a com mais intensidade. Seus olhos, porém agora eram de uma ironia vista de longe.
- Se um dia isso acontecer, será a primeira a descobrir.
Sra. Tânia era uma mulher muito forte quando queria. Como professora ela nunca fez questão de ser. Sarah domou-a facilmente - e isso era péssimo em um colégio como o Alvar Tiotte. Quem sabe por isso o péssimo rendimento de Miguel no último semestre.


NOTA: Livros esquecidos não são livros abandonados. Os abandonados tiveram sua chance de existir, puderam um dia sentir o calor das mãos humanas admirando sua capa magestosa, suas frases poeiris, lembranças e delírios do seu autor gravadas em papel. Os esquecidos perderam-se até mesmo na mente confusa (ou seletiva) dos seus criadores. Estão presos ao papel amassado jogado na lixeira ao pé da escrivaninha. E ninguém ousa resgatá-los.

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