Quase todos os filmes feitos para adolescentes e jovens adultos trazem alguma cena que
expressa “liberdade”. Seja dirigindo e cantando alto, seja vendo o nascer do
sol com os amigos. A formatura do ensino médio, ver as estrelas com o
namorado... Algo nesse sentido. E tenho a liberdade de dizer – ou penso ter –
que todo ser humano já teve a sensação de se libertar até mesmo de si. Existe
essa vontade de querer voar sabe-se lá pra onde, gritar até cansar, como se
isso fosse estraçalhar a ansiedade que existe dentro da gente em algum lugar.
Chorar até esgotar a dor ou a ânsia ou o pavor, não sei. Em mim existe de tudo
um pouco, e tento me convencer que essas coisas, na verdade, sempre existiram,
só estão mais acentuadas. Dá pra acreditar nisso? Quando eu lembro que houve
dias sem tantas lágrimas, sem tanto desespero e sem tanta angústia, eu digo que
não, não dá pra acreditar.
Talvez - e digo isso sem tanta
convicção – seja assim mesmo. Talvez essas coisas sempre tenham existido.
Talvez os problemas dos outros sejam tão grandes quanto os nossos, ou maiores.
Mas vou ser muito mentirosa se disser que consigo entender isso completamente.
Quando é a sua vez de sentir as coisas, você descobre que não é tão altruísta
assim. Eu pelo menos sei que não sou, e assumindo isso não quero ser nenhuma
detentora da verdade ou da humildade. O intuito, na verdade, é identificar meus
irmãos de “egocentrismo”. Não estou sozinha, sim?
Houve um tempo em que eu sonhava
frequentemente que estava dirigindo e todas as vezes que sonhei isso, lembro-me
de estar nervosa diante do volante, e sempre batia o carro. Uma vez, minha mãe
me disse que esse sonho tinha algo relacionado à liberdade. Deduzi por isso que
“Liberdade não é meu forte. Não agora, Elena. Agora você vai bater e se
machucar.” E aí? E aí que eu teria que encarar uma batida, um arranhão, um
braço quebrado ou qualquer consequência dessa batida. Isso era demais pra mim.
Porque arriscar? Hoje eu acho que se eu estivesse no volante, eu talvez
quisesse bater. Ou precisasse bater. Ou quem sabe nem batesse de primeira. O
fato é que mais cedo ou mais tarde, eu bateria o carro. Eu me machucaria, e
talvez nem precisasse estar no volante pra me machucar, porque se eu deixasse
outra pessoa dirigir, o risco de algum acidente acontecer era o mesmo,
simplesmente porque todo mundo tem seu baque algum dia. Se isso afeta ou não
outras pessoas, depende do baque e claro, de como o trajeto é feito. Agora, se
eu batesse, do que me importaria os outros carros batidos? O meu estava batido!
O que me faria pensar em olhar para ver se alguém estava mais ferrado do que
eu? Nada mais teria minha atenção. Aqui estamos nós no egocentrismo de novo.
Como eu gostaria de achar minha grama mais verde nesse momento!
E sabe de uma coisa? Embora
existam todos esses perigos, o risco de fazer a escolha errada, o risco de não
conseguir sozinha de primeira, existe o risco de ser livre. Livre que nem a
gente fica quando olha as estrelas com o namorado, ou quando a gente canta
“Man! I Feel Like a Woman” alto no carro – carros são o forte desse texto,
hein? – ou quando a gente vê o nascer do sol com os amigos. Livre como quando a
praia é só nossa ou quando nosso quarto é pequeno mas está tocando aquela
música, e ouvindo ela é como se só existisse você e a sua liberdade no mundo.
Não é uma cena de filme adolescente que traduz a liberdade, nem o sonho com o
carro batido. Essas coisas, no meu modo de ver, não chegam nem perto da
sensação da tão famosa “freedom”. São metáforas que enfeitam textos como esse,
mas pra corações aflitos por serem livres, é a maneira mais alegre e palpável
pra explicar o que só se consegue sentir. Nesse caso, discordo de Clarice:
liberdade pra mim não é pouco. Se vier com um carro de brinde então, negócio fechado.