sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Raiva.

(Narrado em 1ª pessoa).

Engraçado, sempre pensei que eu dependesse de vocês. Mas atualmente, acho que vocês dependem de mim mais que eu mesma, afinal, eu sou uma justificativa para tudo. Uma reação cabível, não é? Justifico as loucuras e insanidades da forma mais coerente possível. Aliás, dentre todos os sentimentos, eu sou aquele que mais convém, ao meu ver. Mas é claro, sempre pensarei isto mesmo, já que sou a mais ousada sempre. Não que vocês devam saber isso de mim, até porque não lhes devo satisfação alguma, simplesmente broto.
Lábios feridos, tal é a força da mordida; hematomas nos braços, socos na parede, cabeçadas na parede, rabiscos na parede... As construções, pobres coitadas, sofrem mais que teu corpo cada vez que te enraivas. Vais dizer que não pareço um demônio? Nem te recordas do que falas em teus momentos de alucinação, de tão impetuosas que são minhas aparições. Falas o que não deves, destrói tudo ao teu redor. Louca. Eu sou louca. E sei disso, mas quem disse que eu quero tratamento? Minha medicação é a brecha que os humanos me dão para penetrar em seu íntimo.
É, prestem mais atenção, porque eu domo. Mas sou breve. A queridinha Tranquilidade adora vir me atrapalhar sempre. Estou quase lá, estás quase dopado de Raiva, e vem ela, dizendo estar abismada com minha malevolência. Fica atônita, olhando-me de cima a baixo, e nessas horas sinto-me exatamente como uma galinha de vitrine. Não estou preocupada com os estragos que vou causar a vocês, não preciso pensar nisso. Tenho é que cumprir minha tarefa, essa é a minha natureza. E não ouso desafiá-la. Quem sabe porque eu goste do sabor da vitória e de vê-los tão pecaminosamente. Apropriar-me de teu coração anestesiado, inserir palavras na tua boca, arrebentar a garganta... Os gritos. Amo os gritos. Acho até que posso compará-los a uma bateria para mim. Como me fascinam!

Não te preocupes, no dia em que me vires, não é sinal de anomalia alguma. Sou parte da tua evolução, e apareço várias vezes na tua trilha. Afirmo que ninguém que nunca perdeu o controle sabe o que é viver. É indispensável sair da linha, desaforar, perder o domínio de si em alguns momentos. O coração se contrai em cólera e grita, mas ninguém pode ouvir. E então, te vês obrigado a ouvir a ti mesmo, e é nesse momento que aprendes a calar-te aos poucos. Sei que quando vou embora, tudo fica mais claro, tuas veias, antes salientes, agora estão calmas, e a mente, mesmo que nunca tenha sido inteligível, está mais amena, não é verdade? Mas não deixo rastros de imunidade nunca. Cuide seus passos, qualquer dia eu volto pra dar mais uma caminhada com você.

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