sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Amores ilusórios - separações sem despedida. 2


O dia em que o tempero acabou.

Era mais um daqueles dias frios, aqueles dias nublados como quando brigávamos. E ironicamente, eu ainda brigava com você nos meus pensamentos. Um amor muito imperfeito, várias páginas que eu queria rasgar de nós, mas sem elas não haveria a parte em que o sol desmancha as nuvens e te traz de volta. Só que eu não sabia.
Entrei no carro depressa, como se eu pudesse acelerar as coisas e me iludindo com a esperança de que a velocidade de meus atos me distraísse de você. Boba, mesmo depois de tanto tempo, era difícil admitir que não conseguia deixar de ver seu nome a cada milésimo que o relógio marcava. A correria perturbava tanto que a chave do carro estranhou e resolveu não fazer seu papel. Talvez estivesse tentando me acalmar. Não, avisar ela não poderia – não havia como.
Confesso que até o supermercado o caminho pareceu meio torto. Meus sentidos estavam confusos, então não conseguia fazer a diferença entre a garoa de dez minutos atrás e a chuva torrencial que acabara de cair. Não fazia diferença, eu precisava lavar minha angústia, e estar limpa para logo mais. Entrei no supermercado e logo vi as gôndolas com temperos – lembrei na hora do seu macarrão incomparável. Minha ainda mãe comenta sobre o tempero que você usava.
Peguei um vidro de pepinos para comermos de noite, com petiscos. Depois das pazes.
Conferi o carrinho: pão, refrigerante, arroz, massa, peito de frango, o vidro de pepinos, nossa caixa de bombons e o seu tempero. Era isso. Agora eu precisava ter coragem. Sabe como é difícil pra mim me desculpar... Mas eu sei, precisava fazer isso uma única vez que fosse. Você já parecia cansado de ter que costurar nossos corações todas as vezes que os rasgávamos em frangalhos. Mas você sempre foi um bom costureiro.
E então, eu cheguei em casa. Nosso quarto estava tão calmo... Branco, limpo como em um dia de paz. A paz que seu travesseiro sentiria dali pra frente... A paz que nunca mais eu teria, o meu porto-seguro desabou. O celular tocou e eu não queria que repetissem mais nada. Eu só queria que fosse um trote, uma brincadeira inútil. Mas você nunca foi de brincadeiras tão cruéis. Entrei no carro denovo, dessa vez, o limpa-parabrisa estava sendo insuficiente. Comecei a sentir a lagoa que crescia ao meu redor – meus olhos pingavam dor, gotas grossas de amargura. Cadê o seu tempero agora?
Fui correndo, só pra dar tempo de pedir desculpas. Acho que você ouviu. Espero que tenha ouvido. Foi horrível te ver indo embora, levando o sol que desmancharia as nuvens, o sol que desmancharia as nuvens... Como pode? Mesmo sem querer saber o caminho do mercado, conseguia guiar meu carro, conseguia guiar meu carro! Porque você não resistiu, porque? A placa do carro daquele homem vai ser sempre a marca da minha solidão. Por favor, desculpe-me, por favor... Eu sempre amei o seu macarrão, e nunca vou conhecer alguém que joga videogame tão bem quanto você, mesmo que eu jogue melhor. Eu te amo, e ainda sinto o tempero do seu beijo a cada manhã que você não volta.

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