segunda-feira, 11 de junho de 2018

Raiz.

Resolvi deixar de tingir meu cabelo
E a raiz dele começou a aparecer
O contraste é evidente
Mas ele não tem me incomodado mais
Em uma noite de sexta-feira
Decidi não sair de casa
E ficar na casa que eu sou
Ficar em mim
E ficar comigo
Depois de vários passeios
Em textos, imagens e sons
Resolvi colocar uma música pra ouvir de verdade
Fechei os olhos e prestei atenção em todo o seu canto
As cordas pareciam dedilhar meus sentimentos
O toque ao fundo ritmou meu coração
Quando percebi, mal respirava
Corria pela floresta que habita dentro de mim
Procurando por algo que não sabia o que era
Mas corria rápido
Como se a pressa fosse responder por si só a busca
A música terminou
E honrando meu estado atual
Coloquei outra música 
Uma que é raiz de mim
Minha música castanho claro
Batizei aquele momento como descoberta de mim mesma
E mergulhei numa canção através de outra canção
Relembrei tudo o que já fui
Todas as minhas versões que passaram por aquela batida
Olhei para os originais de mim mesma
E notei cada fio invisível que me conectava a algo através de uma harmonia tão singela
Foi então que acordei minha essência
Primitiva e enraizada
Me encarei de frente
Passado e presente se encontrando e dando as mãos
Dançando com os cabelos
Sem nada a dizer
Não me aconselhei ao passado
Não me escandalizei com o presente
E me abracei
Ouvindo a música, mergulhamos uma na outra juntas e inteiras
E percebi que sou raiz
Sou castanho claro
Com registros avermelhados pelo meio do caminho
Sou Eu
A única e sempre Eu
Muito mais que o passado
Mas sempre ele
Enraizado e acompanhado de um tronco presente
A verdade é que hoje eu acolhi minha raiz
E meu contraste
Que bom saber
Que eles estão aqui pra me lembrar
Que meu castanho vai sempre ressurgir
Pra relembrar que eu sou pra sempre
A minha casa segura
Pra sempre raiz de mim
Pra sempre Eu

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Malabarismo.


O malabarismo que acontece na gente é de rir
A tentativa de segurar firme o mundo com nossas mãos
Ter tudo no controle
Mesmo sabendo que pra dança do malabarismo continuar
Tem que se soltar
Olha só
Controlar tudo é não se surpreender no próximo movimento
Controlar tudo é se aprisionar em esqueminhas previsíveis
É não dançar junto com as mãos no malabarismo
Que coisa mais linda
Ver o descontrole na bola que não é segurada
Ela, toda plena
Voando no próprio céu
Subindo alucinada e descendo eufórica
Louca pra contar pras nossas mãos
A delícia de ser livre e experimentar o ar do alto
E quão magnífica é a coragem
De soltar as outras esferas
E entender o momento delas de voar também
Eu acho
Que tudo na vida
Deveria subir alucinado e descer eufórico
Como uma bolinha de malabarismo
Que sabe que depois da subida
Tem a descida
E depois da descida
Tem outra subida
E todo mundo vai respirar no céu
Louco e descontrolado
E vai perceber a maravilha que é o sincronismo
De segurar umas bolinhas
Pra deixar respirar as outras



Malabarisme-se
Aceitar o descontrole às vezes pode ser oxigenador

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Desculpa.


Quando você disse que passaria pela porta e não voltaria mais
O pedido de desculpas veio logo depois
“É que eu não posso ficar”, você disse
E se desculpou por ter despertado
O que estava há tanto tempo adormecido em mim
Mas você se justificou com a pessoa errada
Peça desculpas aos meus amigos
Ao meu gato
Ao meu travesseiro
Às janelas dos ônibus
Às louças na pia da minha casa
Àquela música que você me enviou por mensagem
E todas as outras que me lembram você
E vez ou outra aparecem na reprodução aleatória do Spotify
Peça desculpa também ao YouTube
Que tem me ajudado com infinitos vídeos para superar essa dor
Todos eles estão ouvindo a minha tristeza muda
Me aconselhando dentro da minha própria cabeça
Ou sendo válvula de escape para tudo o que eu queria dizer e não disse
Tudo o que eu queria chorar e não chorei
Tudo o que eu queria que você fosse
Mas você se foi
Não se esqueça também de se desculpar com o vento
Que mesmo sem querer
Acaba ouvindo os ensaios das minhas falas imaginárias
Todos eles tentando simular nossa próxima conversa
Quando te encontrarei na rua
E terei que fingir
Que todo mundo te desculpou.

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Playlist.


Ontem eu coloquei a minha playlist pra tocar
E tocou aquela música
A nossa música
Senti um vazio desesperador pousando bem do meu lado
O vazio que tomou conta quando você foi embora
A música começou e foi como se eu tirasse a tampa de um liquidificador
E visse todos os nossos momentos lá, emaranhados
Triturados
Felizes e despedaçados
E a música tocando e eu lembrando de você cantando ela pra mim
Dizendo que lembrava da gente naquela frase
Tocando ela no violão e fazendo dela a nossa música
E eu lembro quando recebi uma mensagem sua com um trecho daquela canção
E cada frase daquela música me lembrava um beijo
E cada beijo me lembrava um momento infinitamente efêmero
Momentos fumaça que eu tentava agarrar e sumiam
Você foi fumaça que eu tentei agarrar e sumiu
E eu sou cinza que ardeu em paixão e chamou por ti todas as noites
Com o coração queimando em solidão
O mesmo coração que hoje se apagou
Mas mantém, bem no fundo, a brasa escondida
Que inflama cada vez que eu ouço a nossa música.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Estrela cadente.


Esses dias eu vi uma estrela cadente
Foi a minha primeira
Eu estava sentada no pátio de casa, ouvindo uma música que me faz flutuar por dentro
Em um dado instante, resolvi abrir os olhos e olhar para cima
E no exato momento que eu decidi enxergar, eu vi
Eu vi uma estrela riscando o céu e fiquei sem ar
Abri a boca e meu queixo chegou pertinho do chão, mas não caiu
Minhas mãos foram recolhê-lo e pousaram no rosto
Meus olhos inundaram
Meu corpo parou
Saí do transe um segundo depois com meus pensamentos explodindo de felicidade
Parecia que meu corpo implorava para ter mil bocas para que mil vezes eu pudesse dizer o quanto eu estava feliz o mais rápido possível
E no fim não consegui dizer nada
Era a minha primeira estrela cadente
Tão rápido quanto ela desapareceu, pensei:
PUTZ!
Esqueci o pedido!!!
COMO EU FUI ESQUECER O PEDIDO?!?
Na mesma hora, me perdoei
Ora, valeu tanto a explosão de alegria e a estreia da estrela cadente na minha vida
Que era como se o pedido já tivesse sido cumprido
Isso me fez pensar que algumas coisas na vida são como a minha primeira estrela cadente
Elas aparecem
E a gente acha que elas vão fazer alguma coisa lá na frente por nós
Estrelas cadentes que realizam nossos desejos
Causas realizando consequências
E a gente esquece da alegria de simplesmente ter a estrela ali
Esquece da sorte de ter visto ela passar, por mais rápido que tenha sido
Não se dá conta de perceber o brilho indescritível que emana dela iluminando nossa alma 
E fica triste por não saber o que pedir
Mas pedir pra quê se dá pra ser feliz com ela naquele momento só de vocês?
A linda estrela cadente ali, naquela noite só sua
Então me dei conta de que a minha estrela não apareceu para realizar meu pedido
Ela mesma se tornou ele
Meu pedido provavelmente seria o grande clichê
“Quero ser feliz”
E por causa dela
Naquele momento eu já havia sido
Essa estrela cadente era das boas.